A decisão da Corte Especial que permitiu aos advogados comprovar que a segunda-feira de Carnaval é considerada feriado local de maneira posterior ao ajuizamento do recurso não pode ser aplicada para todas as demais datas.

Em sessão na manhã desta quarta-feira (19/5), por maioria de sete votos a cinco, o colegiado discutiu de maneira aprofundada a matéria e decidiu pacificar definitivamente o tema, que pelo menos desde 2019 gera insegurança jurídica na corte.

Trata-se da interpretação do parágrafo 6º do artigo 1.003 do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual, para as datas que não são feriados forenses previstos em lei federal, é preciso comprovar que são feriados locais por meio do ato normativo local com essa previsão no momento da interposição do recurso.

Em 2017, a Corte Especial firmou precedente vinculante segundo o qual a falta dessa comprovação é vício insanável: ela não pode ser feita depois da interposição do recurso. Isso significa que quem não faz a comprovação no ato tem o recurso considerado intempestivo.

Em 2019, o ministro Raul Araújo propôs à Corte Especial uma exceção à regra: que a segunda-feira de Carnaval, que não é feriado forense reconhecido por lei federal, fosse assim considerada, pois é notoriamente tratada como feriado, pela sua abrangência e costume nacional. O colegiado negou a tese e manteve a obrigação de comprovar que, localmente, a data é feriado.

Na ocasião, em meio aos debates, o ministro Luís Felipe Salomão propôs a modulação dos efeitos dessa decisão: para os processos ajuizados até a publicação do acórdão — o que ocorreu em 11 de novembro de 2019 — seria possível fazer a comprovação de que a segunda-feira de Carnaval é feriado mesmo que já ajuizado o recurso.

Esse foi o ponto que criou uma confusão de entendimentos no STJ. A sugestão da modulação foi feita verbalmente, sem voto escrito. Quando o acórdão foi publicado, levantou-se dúvida se a modulação seria possível para qualquer feriado. Em fevereiro de 2020, em Questão de Ordem da ministra Nancy Andrighi, resolveu-se a questão: foi fixado que a modulação só valeria para casos referentes à segunda-feira de Carnaval.

Desde então, advogados têm suscitado que a essa decisão deveria ser aplicada para os mais variados feriados: desde os de âmbito nacional, como o de Corpus Christi, até os locais, como aniversários municipais. Nesta quarta-feira, a Corte Especial julgou sete casos que tratavam do tema.

No mais abrangente deles, ficou determinado que a modulação se restringiu mesmo à segunda-feira de Carnaval. Ainda há dois processos que tratam do Corpus Christi e que já têm maioria de votos para aplicar o mesmo entendimento, mas estão com pedido de vista do ministro Mauro Campbell.

Tarde demais para modular
A corrente vencedora foi encabeçada por voto divergente da ministra Nancy Andrighi, acompanhada por Maria Thereza de Assis Moura, Mauro Campbell, Paulo de Tarso Sanseverino, Laurita Vaz, Og Fernandes e Herman Benjamin.

Para ela, a modulação feita para a segunda-feira de Carnaval apenas superou momentaneamente a regra geral, mas não derrubou o precedente inicial que exige que a comprovação de feriado seja feita no ato da interposição do recurso. Por isso, não pode ser aplicada de maneira generalizada.

Essa modulação só poderia ter sido feita em 2017, quando o precedente inicial foi formado, e não mais de três anos depois do julgamento, sob pena de gerar insegurança jurídica e injustificado tratamento anti-isonômico entre as partes, apontou a ministra Nancy Andrighi.

Ela destacou que, desde que a orientação foi firmada, foram julgados mais de 105 mil casos sobre comprovação de feriado no ato da interposição do recurso. É razoável considerar que uma nova modulação abriria chance para ajuizamento de ação rescisória para aqueles cujo prazo de dois anos ainda do trânsito em julgado ainda não transcorreu.

“Não é necessário ser futurólogo para prever que haverá uma avalanche de rescisórias propostas por advogados que inadvertidamente não observaram a regra do artigo 1.003 do CPC e o precedente vinculante da Corte Especial de 2017, sujeitando-se à responsabilização civil decorrentes de eventual imperícia processual. Ainda que sejam extintas monocraticamente, essas rescisórias serão impugnáveis por agravo interno, em que se admitirá inclusive sustentação oral”, acrescentou.

Se arrependimento matasse…
“Se eu soubesse que a modulação valeria só para a segunda-feira de Carnaval, eu não teria proposto”, disse o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso julgado e que ficou vencido ao lado de Benedito Gonçalves, Raul Araújo, João Otávio de Noronha e Jorge Mussi.

Ele destacou que “a comunidade jurídica não aceitou a ideia de que aquela modulação valeu só para o feriado de segunda-feira de Carnaval”. E que não há motivos para que a lógica aplicada a essa data específica não seja replicada para as demais. A ideia é que se aplique a todos ou não se aplique a nenhum.

“Pode-se afirmar que o precedente obrigou o Judiciário a aceitar a comprovação posterior do feriado de segunda-feira de Carnaval, mas não proibiu que o mesmo entendimento fosse aplicado às demais hipóteses de feriado local. Não há qualquer incompatibilidade entre essas proposições”, explicou.

Segundo Salomão, restringir a modulação à segunda-feira de Carnaval não resolve o problema, porque abre a hipótese de o Judiciário ser chamado a analisar casuisticamente cada data local dos 26 estados e do Distrito Federal, considerando-se cada Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal. Essa análise, inclusive, vai de encontro ao espírito do novo CPC, que previu mecanismos para enfrentar demandas de massa.

E o Corpus Christi?
Durante todo o julgamento, o ministro Salomão insistiu na intenção de resolver a questão: ou a modulação vale para todos, ou não vale para mais ninguém — só para a segunda-feira de Carnaval. Ao votar, o ministro Herman Benjamin abriu uma hipótese de terceira via.

Ele seguiu a divergência da ministra Nancy Andrighi. Porém, em seu entendimento, a modulação só vale para a segunda de Carnaval porque se trata de um feriado não reconhecido por lei federal, mas notório em âmbito nacional. Assim, a modulação não seria aplicável a feriados estritamente locais.

“Em algum momento vamos ter que tratar do Corpus Christi. Não parece que a mesma lógica que nos levou a decidir de uma forma quanto à segunda-feira de Carnaval nos leve, pelas mesmas circunstâncias, a decidir de forma diferente acerca do feriado de Corpus Christi”, disse.

Foi esse aspecto que motivou o ministro Mauro Campbell a pedir vista em dois dos casos levados em julgamento nesta quarta: EAREsp 1.271.444 e EAREsp 1.178.066.

Curiosamente, o resultado já está definido porque, devido à posição firmada, a maioria dos ministros optou por adiantar voto e acompanhar o relator dos casos, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em não permitir a comprovação posterior de que o Corpus Christi é feriado local. Inclusive com o voto do próprio Herman Benjamin, já seguindo o entendimento da maioria.

AREsp 1.481.810

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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